Em livro, o geólogo ilustra o mais completo retrato das
causas responsáveis pelas enchentes e deslizamentos no espaço urbano e
recomenda medidas preventivas para evitar mais desastres e prejuízos
Por Viviane Monteiro
No Brasil as reincidentes tragédias provocadas por enchentes e
deslizamentos estão direta e intimamente associadas à ação humana, ao contrário
de países castigados por fenômenos naturais, como terremotos, vulcões e
furacões. Isto é, as tragédias e os prejuízos decorrentes de enchentes e
deslizamentos no País podem ser evitados por medidas preventivas, já que
estão relacionados à falta de marcos regulatórios municipais e de
políticas públicas habitacionais.
Álvaro Rodrigues dos Santos |
É o que revela o geólogo Álvaro Rodrigues dos Santos, ex-diretor de
Planejamento e Gestão do IPT-SP e consultor em Geologia de Engenharia, em seu
livro “Enchentes e Deslizamentos: Causas e Soluções” em fase de lançamento, em
São Paulo.
Bastante ilustrativo com artes, tabelas e fotos, o livro, com 136
páginas, destaca o descompromisso com que as administrações públicas e privadas
tratam as relações entre expansão urbana e características naturais dos
terrenos ocupados.
Conforme a publicação, a população brasileira vem testemunhando a cada
ano o aumento de vítimas, muitas delas fatais, e de pesadas perdas patrimoniais
e financeiras em razão de enchentes urbanas e deslizamentos de encostas.
Em entrevista ao Jornal da Ciência, o geólogo considera essencial que os programas de redução de
enchentes e deslizamentos inspirem-se em um perfeito diagnóstico das causas
essenciais desses fenômenos, as quais compreendem tanto fatores naturais e
físicos como fatores associados à falta de políticas públicas de planejamento
urbano e habitação popular.
Resíduos da construção civil - Dentre as causas físicas,
onde se destacam a impermeabilização do
solo e a redução da capacidade de vazão das drenagens urbanas, o
livro cita o destino inadequado de entulhos de construção civil, cujos resíduos
geram volumes acentuados no País, próximos de 0,55 toneladas por habitante ao
ano. Apenas em São Paulo, os chamados resíduos inertes de construção civil
(RICC) geram algo em torno de 17 mil toneladas ao dia. Desse total, 70% são
jogados de forma irregular, a céu aberto, considerando que parte significativa
é depositada em margens de córregos.
Além da manutenção da reciclagem, via coleta seletiva que tem
apresentado avanços em algumas cidades, e
da aplicação do entulho em estado bruto ou semi-bruto em larga escala, o
livro recomenda medidas capazes de agregar valor a esse tipo de material,
principalmente com a implementação de
leis municipais específicas que
obriguem seu uso. Conforme a publicação, esses resíduos podem ser
aplicados em aterros, em berços de tubulações, em bases de vias públicas, obras de contenção, etc.
Erosão nas cidades - A publicação chama a atenção para os sérios
problemas de restrição da capacidade de
vazão das drenagens urbanas que
vem sendo provocado pelo alto grau de assoreamento originado do volumoso aporte de
sedimentos, entulho de construção civil e lixo urbano. No caso da região metropolitana de São Paulo, a perda média de
solos por erosão é estimada em algo em torno de 13,5 m3 de hectare de solo por
ano.
“O diabólico binômio ‘erosão e assoreamento` chega a comprometer até 80%
da capacidade de vazão das drenagens urbanas, constituindo-se hoje em uma das
principais causas de nossas enchentes”, destaca um dos trechos do
livro.
A correção dessa deformação técnica, conforme a publicação, passa por
uma decisão radical de se voltar a categorizar a erosão como um mal de
primeira categoria para a engenharia e para a sociedade. “Esse é um inimigo a
ser batido”.
Com criatividade, o livro recomenda a prática de sete mandamentos contra
a erosão. O primeiro sugere evitar ao máximo as terraplanagens e adaptar o
projeto do empreendimento às características geológicas e topográficas do
terreno.
Políticas para baixa renda - Para evitar deslizamentos
nos espaços urbanos, a publicação recomenda a redução drástica da ocupação das
pessoas de baixa renda nas zonas periféricas da metrópole, público para o qual
há recomendação de criação de uma política habitacional que privilegie a
construção de casas com custos que caibam no bolso dessa faixa de renda.
“O processo desorganizado de ocupação de relevos mais acidentados que se
dá nas zonas periféricas das metrópoles é um dos principais fatores responsáveis pela instalação de
áreas de risco a deslizamentos e pela incidência de processos erosivos”,
analisa o geólogo.
Segundo ele, a ida da população de baixa renda para as zonas periféricas
nas cidades representa “um processo de expulsão social”, já que as pessoas de
baixo poder aquisitivo saem em busca de terrenos baratos para construir sua
moradia. “Enquanto não houver, do ponto de vista das políticas públicas,
programas habitacionais que provejam
terrenos geologicamente seguros para
essa população, na mesma ordem
de preços dos encontrados nas zonas de riscos, não haverá solução total desse
problema”, defende Rodrigues dos Santos.
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