Por Viviane Monteiro/Jornal da Ciência
Após
quase três anos de espera, a aprovação da resolução 196/1996 - norma que
regulamenta as pesquisas clínicas com seres humanos brasileiros - pelo Conselho
Nacional da Saúde (CNS), vinculado ao Ministério da Saúde, decepcionou
pesquisadores e especialistas da área de medicina. O membro titular da Academia
Nacional de Medicina (ANM), o médico Rubens Belfort, considerou “um fiasco” a
nova versão - aprovada na última terça-feira (11/1).
De
acordo com ele, nenhum ponto aprovado mostra avanço. “O que existe é uma série
de promessas que vão redundar em mais burocracia”, lamentou. “Existe uma
profunda decepção quanto as soluções que havia sido propostas pelo ministério”.
Com a mesma opinião, a presidente da Sociedade Brasileira para o
Progresso da Ciência (SBPC), Helena Nader, lamentou o fato de a nova resolução
ficar aquém das necessidades científicas do país. "Se esperou muito por
uma alteração na Resolução 196, foram consultadas várias entidades, e o
resultado foi uma decepção”, critica.
Acabar
com a morosidade na tramitação das análises dos protocolos de pesquisas com
humanos está entre uma das principais reivindicações de pesquisadores e
especialistas da área de medicina. Mesmo que a nova resolução conceda autonomia
aos Comitês de Ética em Pesquisa (CEPs) de analisar as pesquisas em uma
tentativa de evitar a duplicidade das avalições, Belfort critica o fato de a
Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep) esperar até junho de 2013 para
começar a identificar quais os CEPs terão autonomia para fazer tais análises,
sem o seu aval.
Falta
de critérios - Diante do histórico de morosidade do sistema CEP/Conep,
Belfort já prevê atrasos na implementação do novo modelo. “O mundo não pode
mais girar em unidade anual”, disse. “O mundo gira hoje com unidade de
horas”. Ele reclama ainda da falta de critérios do ponto da resolução que
diz que será dada prioridade às análises das pesquisas quando houver interesse
da saúde pública. “Quem vai estabelecer isso?”, pergunta. “É o ministro, é o
secretário da saúde do Estado ou do município, ou a universidade?
Ele
considerou “confusa” também a medida que prevê o pagamento de pessoas
voluntárias que participam das pesquisas. “Quem vai estabelecer os
critérios?”, questiona Belfort. O médico reclama também da permanência do
processo de análise de pesquisa com humanos para os laboratórios
internacionais. Ou seja, a análise será mantida pelos CEPs, Coneps e Anvisa.
“Estamos perdendo oportunidade enorme de produzir pesquisas brasileiras para
ensaios clínicos, principalmente a indústria brasileira que não têm os recursos
da indústria internacional que pode trocar o Brasil pela Argentina”, lamenta.
Esclarecimentos
da Conep – Consultada, a coordenadora da Conep, Gysélle Saddi Tannous,
Gysélle esclarece que os critérios das medidas serão estabelecidos em uma norma
operacional a ser publicada em meados de abril. A previsão é de que os detalhes
sejam publicados em janeiro no Diário Oficial da União, juntamente com a nova
resolução 196 que ainda deve passar pelo crivo da Consultoria Jurídica (Conjur)
do Ministério da Saúde.
Gysélle
explica que as novas normas não preveem o pagamento para pessoas voluntárias
que participaram das pesquisas clínicas e sim o ressarcimento de despesas de
pessoas que se deslocam de suas cidades para outros estados, alimentação,
hospedagem, fora a contribuição da pessoa que às vezes tem de perder dias de
trabalho para participar das pesquisas. Nesse contexto, ela declarou que os
critérios de ressarcimento das despesas serão regionalizados. “Não será um
valor para estimular a participação das pessoas nas pesquisas”, garante.
Ela
rebate as críticas de cientistas. Segundo disse, os pesquisadores que reclamam
da nova resolução são os prestadores de serviços para os laboratórios
internacionais, diante da pressão de competitividade. E disse que a nova versão
da resolução foi aprovada por unanimidade pelo colegiado do CNS.
Autonomia
dos pesquisadores - Em resposta à Conep, o representante da SBPC no CNS, o
presidente da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), Luis Eugenio
Portela Fernandes de Souza, concorda que alguns cientistas são prestadores de
serviços para empresas estrangerias. Nesse caso, porém, disse que o pesquisador
brasileiro tem autonomia para defender melhorias para o desenvolvimento de
pesquisas clínicas no Brasil com seres humanos.
Embora
considere importante a possibilidade de a Conep conceder autonomia aos CEPs na
avaliação dos protocolos de pesquisa, disse que a assegurar qualificação e
autonomia aos mais de 600 CEPs distribuídos pelo Brasil demanda tempo,
considerando a morosidade da Conep na tomada de decisão. Além de criticar a
concentração dos trabalhos na Conep, ele também reclamou da ausência de
critérios na nova resolução para conceder acreditação dos CEPs. Souza instituiu
em dizer que tomou posse como membro do CNS um dia após a aprovação da nova
legislação que regulamenta pesquisa com humanos.
Carta
envidada ao Palácio do Planalto - Após a aprovação da resolução, a
Sociedade Brasileira de Medicina Farmacêutica (SBMF) encaminhou uma carta a
Presidência da República e ao ministro da Saúde, Alexandre Padilha, lamentando
o resultado da reforma da Resolução 196/96. “Estamos de luto!”, resume a
entidade no título da nota.
Desde
a implantação da resolução 196/96, por parte do Conselho Nacional de Saúde
(CNS), a comunidade científica tem manifestado a sua preocupação com a
burocracia, viés ideológico e científico que pautam a agenda do Conselho
Nacional de Ética em Pesquisa (Conep). Em diversas ocasiões, buscamos o diálogo
franco e transparente sobre a necessidade de, basicamente, manter os princípios
éticos daquela resolução, mas excluindo a necessidade de dupla aprovação dos
projetos de pesquisa com cooperação estrangeira, abertura de instância de
recurso aos julgamentos da Conep e fortalecimento dos CEPs que cumprem com o
seu papel.
Segundo
a entidade, o CNS rasgou a maioria dessas sugestões da comunidade
científica na consulta pública realizada em 2001. “Com essa atitude, houve um
enfrentamento ao processo democrático que a consulta pública trouxe”. Houve um
desrespeito a todos aqueles que se manifestaram. Com essa atitude, mostrou-se
mais uma vez que a democracia só vale quando favorece somente um dos lados
(neste caso, o do CNS). Com esta atitude, houve um recrudescimento da ideologia
arbitrária. Por isso estamos de luto!”, destaca a carta.
Pleito
da comunidade científica - Uma semana antes da aprovação, no dia 3
de dezembro, a SBPC, a Academia Brasileira de Ciências (ABC) e a ANM
encaminharam uma carta ao ministro da Saúde, Alexandre Padilha, pedindo
agilidade na aprovação da reforma da Resolução 196/96 juntamente com as
propostas da comunidade científica. Clique aqui para acessar o documento.
Para
os presidentes da SBPC, Helena Nader; da ABC, Jacob Palis; e da ANM, Marcos
Moraes, a aprovação das modificações pelo CNS é uma necessidade premente para
modernizar e permitir maior eficiência e competitividade à ciência nacional.
"Na redação atual, a Resolução 196 implica em enormes prejuízos ao nosso
desenvolvimento científico e tecnológico, inviabilizando inclusive estudos
clínicos de fase 1 e 2 em nosso país", destaca a carta assinada pelos
três.
Sociedade
Brasileira de Medicina Farmacêutica envia carta a Presidência da República e ao
ministro da Saúde, Alexandre Padilha, sobre a Resolução 196/96, elaborada para
normatizar as pesquisas clínicas com seres humanos.
Mais informações no Jornal da Ciência
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