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segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

Nova norma para pesquisas clínicas com seres humanos decepciona cientistas

Por Viviane Monteiro/Jornal da Ciência

Após quase três anos de espera, a aprovação da resolução 196/1996 - norma que regulamenta as pesquisas clínicas com seres humanos brasileiros - pelo Conselho Nacional da Saúde (CNS), vinculado ao Ministério da Saúde, decepcionou pesquisadores e especialistas da área de medicina. O membro titular da Academia Nacional de Medicina (ANM), o médico Rubens Belfort, considerou “um fiasco” a nova versão - aprovada na última terça-feira (11/1).

De acordo com ele, nenhum ponto aprovado mostra avanço. “O que existe é uma série de promessas que vão redundar em mais burocracia”, lamentou. “Existe uma profunda decepção quanto as soluções que havia sido propostas pelo ministério”.  Com a mesma opinião, a presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Helena Nader, lamentou o fato de a nova resolução ficar aquém das necessidades científicas do país. "Se esperou muito por uma alteração na Resolução 196, foram consultadas várias entidades, e  o resultado foi uma decepção”, critica.

Acabar com a morosidade na tramitação das análises dos protocolos de pesquisas com humanos está entre uma das principais reivindicações de pesquisadores e especialistas da área de medicina. Mesmo que a nova resolução conceda autonomia aos Comitês de Ética em Pesquisa (CEPs) de analisar as pesquisas em uma tentativa de evitar a duplicidade das avalições, Belfort critica o fato de a Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep) esperar até junho de 2013 para começar a identificar quais os CEPs terão autonomia para fazer tais análises, sem o seu aval. 

 Falta de critérios - Diante do histórico de morosidade do sistema CEP/Conep, Belfort já prevê atrasos na implementação do novo modelo. “O mundo não pode mais girar em unidade anual”, disse. “O mundo gira hoje com unidade de horas”. Ele reclama ainda da falta de critérios do ponto da resolução que diz que será dada prioridade às análises das pesquisas quando houver interesse da saúde pública. “Quem vai estabelecer isso?”, pergunta. “É o ministro, é o secretário da saúde do Estado ou do município, ou a universidade?
Ele considerou “confusa” também a medida que prevê o pagamento de pessoas voluntárias que participam das pesquisas.  “Quem vai estabelecer os critérios?”, questiona Belfort. O médico reclama também da permanência do processo de análise de pesquisa com humanos para os laboratórios internacionais. Ou seja, a análise será mantida pelos CEPs, Coneps e Anvisa. “Estamos perdendo oportunidade enorme de produzir pesquisas brasileiras para ensaios clínicos, principalmente a indústria brasileira que não têm os recursos da indústria internacional que pode trocar o Brasil pela Argentina”, lamenta.

Esclarecimentos da Conep – Consultada, a coordenadora da Conep, Gysélle Saddi Tannous, Gysélle esclarece que os critérios das medidas serão estabelecidos em uma norma operacional a ser publicada em meados de abril. A previsão é de que os detalhes sejam publicados em janeiro no Diário Oficial da União, juntamente com a nova resolução 196 que ainda deve passar pelo crivo da Consultoria Jurídica (Conjur) do Ministério da Saúde.
Gysélle explica que as novas normas não preveem o pagamento para pessoas voluntárias que participaram das pesquisas clínicas e sim o ressarcimento de despesas de pessoas que se deslocam de suas cidades para outros estados, alimentação, hospedagem, fora a contribuição da pessoa que às vezes tem de perder dias de trabalho para participar das pesquisas. Nesse contexto, ela declarou que os critérios de ressarcimento das despesas serão regionalizados. “Não será um valor para estimular a participação das pessoas nas pesquisas”, garante.
Ela rebate as críticas de cientistas. Segundo disse, os pesquisadores que reclamam da nova resolução são os prestadores de serviços para os laboratórios internacionais, diante da pressão de competitividade. E disse que a nova versão da resolução foi aprovada por unanimidade pelo colegiado do CNS.

Autonomia dos pesquisadores - Em resposta à Conep, o representante da SBPC no CNS, o presidente da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), Luis Eugenio Portela Fernandes de Souza, concorda que alguns cientistas são prestadores de serviços para empresas estrangerias. Nesse caso, porém, disse que o pesquisador brasileiro tem autonomia para defender melhorias para o desenvolvimento de pesquisas clínicas no Brasil com seres humanos.

Embora considere importante a possibilidade de a Conep conceder autonomia aos CEPs na avaliação dos protocolos de pesquisa, disse que a assegurar qualificação e autonomia aos mais de 600 CEPs distribuídos pelo Brasil demanda tempo, considerando a morosidade da Conep na tomada de decisão. Além de criticar a concentração dos trabalhos na Conep, ele também reclamou da ausência de critérios na nova resolução para conceder acreditação dos CEPs. Souza instituiu em dizer que tomou posse como membro do CNS um dia após a aprovação da nova legislação que regulamenta pesquisa com humanos.      

Carta envidada ao Palácio do Planalto - Após a aprovação da resolução, a Sociedade Brasileira de Medicina Farmacêutica (SBMF) encaminhou uma carta a Presidência da República e ao ministro da Saúde, Alexandre Padilha, lamentando o resultado da reforma da Resolução 196/96. “Estamos de luto!”, resume a entidade no título da nota.
Desde a implantação da resolução 196/96, por parte do Conselho Nacional de Saúde (CNS), a comunidade científica tem manifestado a sua preocupação com a burocracia, viés ideológico e científico que pautam a agenda do Conselho Nacional de Ética em Pesquisa (Conep). Em diversas ocasiões, buscamos o diálogo franco e transparente sobre a necessidade de, basicamente, manter os princípios éticos daquela resolução, mas excluindo a necessidade de dupla aprovação dos projetos de pesquisa com cooperação estrangeira, abertura de instância de recurso aos julgamentos da Conep e fortalecimento dos CEPs que cumprem com o seu papel.
Segundo a entidade, o CNS rasgou  a maioria dessas sugestões da comunidade científica na consulta pública realizada em 2001. “Com essa atitude, houve um enfrentamento ao processo democrático que a consulta pública trouxe”. Houve um desrespeito a todos aqueles que se manifestaram. Com essa atitude, mostrou-se mais uma vez que a democracia só vale quando favorece somente um dos lados (neste caso, o do CNS). Com esta atitude, houve um recrudescimento da ideologia arbitrária. Por isso estamos de luto!”, destaca a carta.

Pleito da comunidade científica - Uma semana antes da aprovação, no dia 3 de dezembro, a SBPC, a Academia Brasileira de Ciências (ABC) e a ANM encaminharam uma carta ao ministro da Saúde, Alexandre Padilha, pedindo agilidade na aprovação da reforma da Resolução 196/96 juntamente com as propostas da comunidade científica. Clique aqui para acessar o documento. 

Para os presidentes da SBPC, Helena Nader; da ABC, Jacob Palis; e da ANM, Marcos Moraes, a aprovação das modificações pelo CNS é uma necessidade premente para modernizar e permitir maior eficiência e competitividade à ciência nacional. "Na redação atual, a Resolução 196 implica em enormes prejuízos ao nosso desenvolvimento científico e tecnológico, inviabilizando inclusive estudos clínicos de fase 1 e 2 em nosso país", destaca a carta assinada pelos três.
Sociedade Brasileira de Medicina Farmacêutica envia carta a Presidência da República e ao ministro da Saúde, Alexandre Padilha, sobre a Resolução 196/96, elaborada para normatizar as pesquisas clínicas com seres humanos.

Mais informações no Jornal da Ciência

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