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sábado, 11 de junho de 2011

Cnen aguarda decisões da AIEA para avaliar programa nuclear do Brasil

O governo brasileiro espera receber, com detalhes, as causas que provocaram o acidente da usina nuclear de Fukushima para saber o rumo a ser dado ao conjunto de normas para a instalação de usinas nucleares do Brasil. A afirmativa é do presidente da Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN, Odair Gonçalves Dias, que acredita que o acidente na usina de energia nuclear de Fukushima deve elevar as discussões sobre a segurança da radiação, uma polêmica desde sua descoberta. “Deve acontecer um recrudescimento das discussões em relação à energia nuclear”, diz.

Mesmo reconhecendo a gravidade do acidente no Japão, Odair acredita que a energia nuclear é a opção mais segura para o fornecimento de energia, atrás da hidrelétrica. Para ele, o acidente de Fukushima _ cidade japonesa mais prejudicada pelo terremoto seguido de tsunami _ deve reforçar os procedimentos de emergência da energia nuclear, servindo de modelo, também, para o Brasil.

Dias, também assessor da embaixada da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) no Brasil, voltou a considerar “precipitada” a decisão da Alemanha de desistir dos investimentos em energia atômica, diante do acidente no Japão.

“Qualquer decisão tomada hoje é precipitada”, enfatiza Dias, ao demonstrar, porém, respeito pela “decisão particular” daquele país.

Hoje há uma grande dependência da energia nuclear no mundo. "Se a Alemanha parar de produzir energia nuclear o país deve comprar mais da França que deve passar a investir mais em energia nuclear (para atender a demanda alemã)”, avalia.

Há quem acredita, porém, numa eventual estagnação dos planos mundial de expansão de energia nuclear. O professor José Goldemberg, da Universidade de São Paulo (USP), a cobrança da sociedade por mais segurança nas usinas nucleares deve elevar muito os custos de instalação dos reatores tornando a energia nuclear menos competitiva do que as demais alternativas do mercado. Dessa forma, ele prevê uma nova estagnação do setor da mesma forma que aconteceu depois da explosão do reator de Three Mile Island, nos Estados Unidos (1979), e do incêndio e o vazamento de radiação na usina de Chernobyl, na Ucrânia (1986), quando os custos de instalação de usinas triplicaram.

Agência reguladora - Dias permanece em defesa da criação de uma agência reguladora de energia nuclear no Brasil. Hoje há uma diretoria de radio e proteção de usinas nucleares composta por cientistas, considerada importante para tal setor. “Mas é mais importante criar uma agência reguladora independente pelas questões financeiras”.

Quanto ao acidente do Japão, Dias aguarda a avaliação da AIE tão logo sejam resolvidos os níveis de radiação da usina japonesa. Dias quer saber se houve outras falhas no acidente, além dos impactos do terremoto e do tsunami já eram previstos nos protocolos de instalação de energia nuclear.

“Primeiro é preciso apagar o incêndio para depois avaliar as suas causas”, diz o presidente da CNEN. “Não vamos fazer nada (por enquanto) porque não sabemos o que aconteceu lá. O que não estava previsto no acidente (nas recomendações) é o que nos interessa. A partir daí vamos ver se surgirão novas recomendações de segurança da Agência Internacional para serem incorporadas às normas do Brasil”, explica Odair.

As orientações da AIEA são adotadas de acordo com as necessidades de cada país. No Brasil, existem mais de 70 normas estabelecidas de acordo com as recomendações internacionais. Dentre outras, elas recomendam que as usinas devem resistir a terremotos de 7 graus e barrar ondas de quatro metros, devem provar que uma válvula entra em ação automaticamente quando outra falha; devem resistir à queda de aviões e a ataques terroristas. Na ausência desses requisitos a CNEM não libera a licença para a instalação da usina.

Além das recomendações internacionais, Odair enfatiza, a Eletronuclear criou outros protocolos para elevar o nível de segurança da instalação das usinas internas, antes mesmo de acontecer o acidente no Japão. Foi incluída, por exemplo, a precaução da instalação de usinas em regiões montanhosas.

No Brasil, os operadores fazem teste de segurança e a cada biênio há treinamento de emergência para um raio de 5 km de distância da usina, é o mesmo procedimento adotado no Japão, embora no último acidente o país japonês tenha adotado o procedimento emergencial para um raio de até 40 km.

O professor José Goldemberg, da Universidade de São Paulo (USP) questiona as causas alegadas no acidente no Japão. A primeira explicação dada, segundo o professor, foi a de que, com o "apagão" causado pelo terremoto, os sistemas de emergência falharam, o que não era previsto, pois eles deveriam entrar em operação e garantir que o sistema de resfriamento do reator mantivesse o funcionamento. A temperatura subiu muito e o núcleo do reator começou a fundir. “Essa explicação provavelmente é incompleta; é bem provável que parte da tubulação de resfriamento tenha sido danificada, impedindo a circulação da água”.

DIVERGÊNCIA - A radiação, particularmente usada em usina nuclear, criada há décadas ainda é motivo de divergência entre especialistas e governo. Se por um lado, ela é defendida pela forte capacidade de liberar energia. Por outro, é criticada por oferecer um risco altamente danoso à população.

O governo federal mantém a decisão de permanecer com os planos de investimentos no setor. Alguns governadores do Nordeste, porém, até então, ávidos para atrair os investimentos nucleares previstos o Nordeste, esfriam o seu apetite pelos investimentos e defendem mais segurança para os empreendimentos previstos para suas regiões.

"Quem é que vai, em meio à atual discussão, [dizer] "eu quero agora uma usina nuclear para o meu estado. Só se for idiota. E eu não sou idiota", disse o governador do Piauí, Wilson Martins (PSB), em entrevista à Agência Brasil nas últimas semanas. Na prática, ele "não recuou" da disputa com outros estados nordestinos cotados para abrigar uma das usinas, mas quer que o projeto a cargo do Ministério de Minas e Energia deve ser "repensado".

Mesmo com o reforço previsto nos protocolos de segurança nuclear, Goldemberg avalia que a energia nuclear jamais será totalmente segura, embora “nenhuma tecnologia moderna” seja 100% segura.

“Acidentes nucleares são imprevisíveis e não necessariamente necessitam de terremotos e de tsunamis para apresentarem problemas, diante dos riscos presentes”, diz Goldemberg, ex-ministro da Educação na década de 1980.

Ao ponderar sobre a energia nuclear, o professor do departamento de Energia Nuclear do Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-graduação e Pesquisa de Engenharia (Coppe/UFRJ), Antônio Carlos Marques Alvim, aponta as vantagens e desvantagens de tal setor. Mesmo que o custo de implantação e manutenção de uma usina nuclear de geração 3 ou 4 seja muito alto, ele diz se tratar de um bom investimento, pois “as novas gerações de reatores mais seguros e econômicos” conferem bom custo para a tarifa de energia.

Além disso, a matéria-prima da energia nuclear, o urânio, é facilmente encontrada na natureza, sendo o Brasil a sexta maior reserva de urânio do mundo e pode suprir as necessidades energéticas do país facilmente por cerca de um século, enquanto petróleo e gás natural tendem a durar somente mais 50 anos em média. O urânio enriquecido é um combustível nuclear altamente radioativo e é danoso ao organismo humano.

Alvim lembra, porém, que os avanços tecnológicos produzidos pela indústria nuclear são utilizados amplamente. “Se você olhar toda essa parte de gestão de risco, inclusive instalações petroquímicas, químicas, qualquer instalação de processo, muitas destas ferramentas vieram da indústria nuclear”, salienta.

Alvim esclarece que as usinas são projetadas para suportar certos acidentes; os reatores das usinas nucleares já estão em uma quarta geração e as usinas com reatores de quarta e até terceira gerações são as mais modernas e com ínfimas possibilidades de acidentes por falha. Mas ele ressalva: “apesar de altamente seguras, elas estão à mercê de catástrofes” que possam acontecer no local de sua implantação.

“O Japão contava com uma proteção contra abalos sísmicos de nível 7 na escala Richter, o que aconteceu lá foi de intensidade 9”. Em outras palavras, catástrofes de intensidade maior do que as previstas podem acarretar danos e até a possibilidade do vazamento de material radioativo.

A energia nuclear é limpa, sua emissão de carbono é praticamente nula e ela não causa impactos ambientais durante o funcionamento. Outro fator importante é o pouco espaço ocupado e a falta de necessidade de fatores específicos para sua instalação, fazendo com que haja economia com cabos transmissão, e evita as perdas de energia sofridas pelos mesmos.
(Viviane Monteiro - Jornal da Ciência, 01 de abril)

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