Trabalhou quase oito anos no Grupo Gazeta Mercantil, passou pelo Valor, DCI e revistas

sexta-feira, 13 de abril de 2012

STF libera interrupção de gravidez anencefálica

Arte do Google
 Depois de quase oito anos em tramitação no Supremo Tribunal Federal (STF), os ministros liberaram, ontem, a interrupção da gravidez em casos de anencefalia, assegurando o direito legal a mães que optarem pelo abortamento do bebê com ausência de cérebro e da calota craniana, estruturas essenciais para a vida de qualquer ser humano.

Na prática, foi aprovada a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº54, impetrada em junho de 2004 pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde (CNTS). Foram 8 votos a favor e 2 contra a descriminalização desse tipo de aborto.

Considerado positivo por cientistas, o resultado confirma a estimativa de especialistas da área de medicina que vêm alertando sobre a gravidade desse tipo de gravidez para as mães. Na maioria dos casos, esses bebês morrem no útero ou em poucas horas ou dias após o nascimento. Além disso,  provocam danos à saúde e ao lado psíquico das mães, segundo especialistas. Para interromper essa gravidez, até então, as mulheres tinham de recorrer, individualmente, a ações judiciais para conseguir fazer o abortamento com assistência médica adequada, o que demandava tempo, excedendo, em algumas vezes, o período do nascimento do bebê.   

Avaliado como o mais importante julgamento na história da corte, o resultdo da votação do STF ocorreu em duas etapas. No primeiro dia, quarta-feira (11), votaram a favor do recurso jurídico os ministros Marco Auréllio Mello, relator da proposta, Rosa Weber, Joaquim Barbosa, Luiz Fux e Carmem Lúcia. Por último, o ministro Ricardo Lewandowski votou contra a ADPF 54, ocasião em que o julgamento foi encerrado por volta das 19 horas e retomado na tarde da quinta-feira (12).

No segundo dia, votaram a favor os ministros Carlos Ayres Britto, Gilmar Mendes e Celso de Mello. Já o presidente da casa, Cesar Peluso, votou contra a decisão sob a alegação de que o feto anencéfalo está vivo e a interrupção da gravidez, nesse caso, representa "crime tipificado como aborto".
Em outra frente, o ministro Ayres Britto disse, justificando seu voto a favor do recurso judicial, que a decisão da mulher, de interromper esse tipo de gravidez, cujo bebê tem a morte marcada como destino "é mais que inviolável".

"Essa é uma decisão sagrada da mulher. Não se pode tipificar esse direito de escolha como caracterizador do aborto proibido pelo Código Penal”, disse Britto, que que considerou inconstitucionais os artigos do Código Penal (24 a 28) que criminalizam o aborto de fetos anencéfalos. 

Democracia reconhecida - Apoiando o resultado da votação dos ministros e descriminalização do aborto em casos de anencefalia, a secretária-geral da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Rute Andrade, disse que os votos favoráveis dos ministros e, consequentemente, a aprovação da ADPF 54 é uma consolidação da democracia nacional.

“As declarações dos ministros que votaram favoravelmente foram verdadeiras aulas sobre o que é democracia, o que é um Estado Laico e o que é o respeito à vida, especialmente a do Ministro Marco Aurélio que relatou a matéria com brilhantismo”, destacou Rute, que acompanhou o julgamento na quarta-feira. A SBPC  integra o Grupo de Estudos sobre Aborto (GEA).

Ao analisar o resultado da votação, o coordenador do GEA, Thomaz Rafael Gollop, obstetra e geneticista, acredita que a ciência conseguiu sensibilizar os ministros sobre a importância da dignidade da mulher, sua liberdade de escolha, nesses casos, e a laicidade do Estado.
Já o médico Jefferson Drezzett, também membro do GEA, elogiou a decisão dos ministros de conceder a liberdade de escola à mãe que se recusa a prosseguir  com a gravidez anencefálica.

“Essa mãe, agora, não vai mais precisar passar pelo tramite de contratar um advogado e correr para encontrar um juiz que aceite a decisão de interromper sua gravidez”, emendou.
Segundo Drezzett, agora, a mãe que carrega o feto anencéfalo no útero e quer abortá-lo precisa apenas recorrer a um hospital para fazer o abortamento. “Se isso não é mais um crime, essa mãe não precisa mais recorrer a um advogado e nem a um juiz”, disse.

Já a psicóloga, Daniela Pedroso, mestre em saúde materno infantil, e que também faz parte do GEA, declarou que a decisão do STF apenas minimiza, em parte, o sofrimento dessas mães que não terão mais o trabalho de recorrer à uma ordem judicial para fazer o abortamento legalmente e com assistência médica adequada. Ela parte do príncipio de que qualquer decisão envolve dor para as mães, nesse caso “Não dá para pensar que essa mãe não terá mais ônus em suas decisões”, disse a psicológa. 

Tendência mundial -
Em seu parecer, Gilmar Mendes citou que dos 194 países vinculados à Organização das Nações Unidas (ONU), 94 permitem o aborto quando verificada a ausência parcial ou total do cérebro. Ao defender essa prática também no Brasil, ele justificou o fato de não haver potencial de vida em gravidez anencefálica. 

Gilmar Mendes criticou, porém, o impedimento de instituições religiosas como partes da ação, questão que, inclusive, disse ele, daria um colorido no debate. "Essas entidades são quase que colocadas no banco dos réus como se estivessem fazendo algo de indevido e não estão. Argumentos de organizações religiosas podem e devem ser considerados pelo Estado porque elas também se referem a razões públicas. Vejo a situação à luz do direito brasileiro”, disse.

Por sua vez, o ministro Celso de Mello afirmou que o aborto de feto anencéfalo não pode representar uma disputa entre "fé e razão", e nem pode ser estipulado como aborto, já que sua morte não é decorrente de práticas abortivas. Nesse caso, ele citou resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM) que considera o feto anencéfalo a um natimorto.

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