Trabalhou quase oito anos no Grupo Gazeta Mercantil, passou pelo Valor, DCI e revistas

quinta-feira, 12 de abril de 2012

Anencefalia: Cientistas esperam parecer favorável à mulher


Cientes sobre a falta de perspectivas de vida para os chamados fetos anencéfalos, especialistas da área da medicina e de biologia acreditam que a maioria dos onze ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) deverá aprovar a liberação da interrupção desse tipo de gravidez amanhã (11), quando será julgada Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº54. Polêmico, o recurso jurídico, que tramita na casa há cerca de oito anos, assegura o direito da mulher de interromper ou não a gravidez quando a anencefalia for diagnosticada.
Arte do Google

Julgamento - Embora a expectativa seja de um julgamento difícil, semelhante ao da liberação de pesquisas com células-tronco embrionárias no País, em maio de 2008, a esperança é de que os ministros concedam tal direito à mulher, seguindo a tendência de outros países.

Será um julgamento permeado por embasamentos científicos e por argumentos religiosos, principalmente da Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) que defende o aspecto ético-moral nessa questão.

Pela falta do encéfalo (cérebro e da calota craniana), o que garante a vida a qualquer ser humano, os bebês anencéfalos sempre morrem no útero e quando conseguem nascer falecem em poucas horas ou dias. Dessa forma, cientistas consideram uma "tortura" obrigar a mulher a manter a gravidez com feto anencéfalo.

"A anencefalia é uma anomalia gravíssima que não assegura nenhuma perspectiva de sobrevivência. O feto nasce morto, sem falar que a anencefalia traz múltiplas complicações para a mãe", assegura o médico Thomaz Gollop, coordenador do Grupo de Estudos sobre o Aborto (GEA), apoiado pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SPBC).

Morte cerebral -
Do ponto de vista médico e legal "um anencéfalo é comparável a um paciente com morte cerebral, segundo a secretária-geral da SBPC, Rute Andrade, ao defender a importância do direito da mulher de interromper ou não esse tipo de gravidez.

"Se a lei permite o transplante de órgãos de alguém com morte encefálica, por que não legalizar a interrupção da gravidez no caso da anencefalia?", questiona Rute, bióloga e também integrante do GEA.

"É preciso ficar claro que se quer garantir é que as mulheres que escolhem interromper a gravidez, no caso de gestação de feto anencéfalo, tenham o direito assegurado em lei. Mas isso não significa que todas as mulheres serão obrigadas a interromper a gravidez nesses casos. Aquelas que desejam conduzir a gravidez até o nascimento são livres para fazê-lo. Mas afirmo que as que não desejam não podem ser obrigadas", complementa Rute.

Reforçando tais posições, o médico Jefferson Drezzett, também membro do GEA, afirma que a interrupção da gravidez é a melhor saída para os casos de anencefalia. "Hoje o diagnóstico dessa doença é muito rápido, simples e extremamente seguro em sua precisão. É realizado basicamente pela ultrassonografia", disse ele, citando que o Brasil é o quinto país do mundo com maior índice de anencefalia.

Diante de tal cenário, os especialistas esperam que a maioria dos ministros do STF leve em consideração a questão técnico-científica e não as de ordem moral ou religiosa. "Certamente um ou dois dos ministros votarão contrariamente à ADPF 54, são os que querem que as mulheres passem por uma tortura para preservar um feto que não tem vida. Apenas porque alguém acha ser melhor assim", lamenta Drezzett. 

"Tecnicamente, falamos em antecipar o parto porque não existe nenhum prognóstico após o nascimento do anencéfalo, nenhuma possibilidade de sobrevida, embora algumas entidades tentem confundir a anencefalia com outras doenças neurológicas, alegando que o feto pode viver semanas ou por alguns anos. Isso é falso. A maioria dos fetos anencéfalos morre no útero e os que conseguem nascer, morrem em poucas horas ou dias", orienta Drezzett.

Histórico de recursos jurídicos - Reconhecendo a posição jurídica histórica na liberação de alvarás permitindo a interrupção segura para esses tipos de gravidez, Gollop acredita na sensibilidade da maioria dos ministros no julgamento da anencefalia amanhã. "Hoje a maioria dos juízes tem concedido alvarás, permitindo a interrupção e internação de mulheres em qualquer hospital da rede pública ou privado", disse.

Desde 1989, quando foi liberado o primeiro alvará permitindo a interrupção de gravidez anencefálica, em Rondônia, foram concedidas, até agora, cerca de 10 mil decisões favoráveis às mulheres. Apenas em Campinas, interior de São Paulo, o juiz da vara do Tribunal do Júri de Campinas (SP), José Henrique Torres, é responsável por mais de 300 alvarás autorizando a interrupção de gravidez com malformação cerebral.

Consequências para mulher -
Conforme Drezzett, quando a mulher é obrigada a levar a gestação com anencefalia até o final é muito comum exceder o período normal de um parto [nove meses], trazendo complicações. Pela falta de um cérebro funcionando, disse o médico, há um grande acúmulo de líquido amniótico dentro da bolsa, a qual o bebê fica imerso, muito além do que ocorre na gravidez normal.

"Isso pode levar a uma série de problemas para mulher, como o deslocamento da placenta e hemorragias graves", alerta Drezzett, para emendar: "Interromper esse tipo de gravidez poupa as mulheres de risco maiores, de danos físicos".

Na observação da psicóloga Daniela Pedroso, também membro do GEA, a decisão da mulher de interromper esse tipo de gravidez é baseada mais no sofrimento da criança do que no seu próprio sofrimento. Para a especialista de psicologia, outro problema para a mulher é no momento de buscar o alvará para conseguir fazer o aborto legal.

"Com o crescimento da barriga, sabendo que não terá esse filho, aumenta mais o sofrimento dessa mãe. O problema psíquico dela é muito maior. Por isso, o importante é resolver o mais rápido possível, antes de ela ver a barriga crescer", orienta Daniela.

Segundo a psicóloga, quando a mulher decide não ter esse filho ela interromperá a gravidez legal ou ilegalmente. O ideal nesse caso, ela recomenda, é fazer a interrupção dessa gravidez com assistência médica adequada.

Insuficientes para doação de órgãos -
Os órgãos de anencéfalos nem sequer podem ser aproveitados para transplantes, segundo Drezzett, o que contraria a posição de alguns grupos que defendem o esforço de manter a gravidez até o final por acreditar ser válida a doação desses órgãos. "O coração de um feto anencéfalo não tem uma condição estruturante anatômica e fisiológica que permita ser aproveitado por uma criança que não tenha anencefalia", exemplifica Drezzett. Segundo ele, existe determinação do Conselho Federal de Medicina alertando sobre os riscos da doação de órgãos anencéfalos.

Código penal - Ao defender a inclusão do embasamento científico na reforma do código penal, Drezzett disse que o Brasil mantém a legislação de 1940, quando sequer existia a ultrassonografia, anticoncepcional e doenças modernas como o HIV, embora o País tenha assinado alguns acordos internacionais que defendem a liberdade de decidir sobre a reprodução sexual.
"Esperamos que a reforma do código penal possa apresentar alternativas mais racionais e consoantes com os avanços da humanidade. Não é possível ter um código penal dessa forma, tão antiquado e de situações tão graves de violação de direitos humanos", defendeu o especialista.

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