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segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

Novo plano de reestruturação de carreira de docente universitário é um retrocesso para o país, dizem especialistas

 Nova lei aprovada desestimula a pós-graduação, as pesquisas universitárias e o interesse de grandes talentos pela profissão
 

Por Viviane Monteiro/ Jornal da Ciência

O novo Plano de Carreiras e Cargos de Magistério Federal – aprovado pela presidente Dilma Rousseff “no apagar das luzes” de 2012, em 31 de dezembro – representa um retrocesso para o país. A avaliação é de especialistas e acadêmicos que se mostram surpresos com a velocidade “meteórica” com que a matéria tramitou no Congresso Nacional e no Palácio do Planalto.

Na prática, o Palácio do Planalto sancionou o Projeto de Lei 4368/12, encaminhado pelo Executivo, dando origem à Lei Nº 12772/12, que alterou dispositivos da Lei Nº 7.596, de 10 de abril de 1987. Tradicionalmente, os projetos de interesse político, como esse, não enfrentam resistência em sua tramitação.

Apresentado em agosto do ano passado, o PL foi aprovado pelos deputados em 05 de dezembro e em 21 do mesmo mês pelos senadores.

Walter Colli (foto copiada do Google)
No entender do cientista Walter Colli, professor titular da Universidade de São Paulo (USP) e membro da Academia Brasileira de Ciências (ABC), a nova lei desestimula a pós-graduação, as pesquisas universitárias e o interesse de grandes talentos pela profissão. Isso porque a promoção para a categoria de professor titular “valoriza em demasia a progressão temporal” em detrimento do mérito acadêmico e científico.

Protesto 
Em meio à tramitação do projeto na Câmara e no Senado Federal, a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e ABC encaminharam, no fim de 2012, um manifesto aos parlamentares alertando sobre os riscos que o PL acarretaria à carreira dos professores de universidades públicas federais. Mesmo assim, o avanço na  tramitação da matéria surpreendeu cientistas que depositavam na presidente Dilma a expectativa de vetá-lo.

“Foram detectados aspectos que poderão trazer graves dificuldades, problemas e, por que não dizer, retrocesso para as Universidades Federais Brasileiras, principalmente no que tange à qualidade da Pesquisa
e do Ensino de Graduação e Pós-Graduação”, destaca a nota (disponível aqui) assinada pela presidente da SBPC, Helena Nader, e pelo presidente da ABC, Jacob Palis.

Posição do governo
O Ministério da Educação, por intermédio da assessoria de comunicação, informa que o novo Plano tem por objetivo “buscar a valorização da dedicação exclusiva”, e, igualmente, a titulação dos docentes, embora
acadêmicos e cientistas afirmem o contrário.


Reajuste salarial
Sem querer entrar nos detalhes da nova lei, a nota do MEC destaca os reajustes salariais assegurados na nova legislação. Nesse caso, cita que o plano prevê aumento mínimo de 25% e máximo de 40%, a ser aplicado em março deste ano 2013. O reajuste será gradual. Isto é, neste ano será concedida metade (50%) do aumento total previsto para 2013. Assim, a média do reajuste salarial previsto
para este ano será de 16%.

Já em 2014 o acréscimo será de 30% do total estabelecido, ao passo que em 2015 o reajuste atingirá 20% do total, segundo o ministério. A principal crítica dos cientistas recai, porém, sobre o fato de a carreira de magistério, em qualquer universidade federal, iniciar sempre (sic, Art. 8º, caput) pelo piso da categoria. Ou seja, pela categoria de professor auxiliar, independentemente da titulação.

A lei estabelece cinco etapas na carreira do magistério federal – professor auxiliar, assistente, adjunto, associado e titular – que devem ser conquistadas por concurso público exigindo apenas o diploma de graduação. Hoje, para ingressar o magistério da USP (estadual), por exemplo, o professor tem de ser portador do título de doutor. Assim também era para as universidades federais, até a promulgação dessa nova Lei.

“Para exemplificar, no meu caso, cheguei ao cargo de professor titular na USP, mas se quisesse fazer parte do corpo docente regular de uma universidade federal teria de prestar concurso para professor auxiliar,
na base do novo sistema, e lá ficar por três anos, pelo menos. No entanto, como obtive o título de doutor há mais de 20 anos, posso entrar para uma nova categoria denominada com o estranho nome de Cargo Isolado de Professor Titular-Livre do Magistério Superior”, analisa o cientista.

Diante do novo modelo, o mesmo resultado não será obtido por um grande cientista que tenha o título de doutor há menos de 20 anos, já que ele terá de recomeçar sua carreira da base.

“Para aspirar subir um pouco mais, ser um professor assistente, ele teria de esperar um intervalo de dois anos”, exemplifica Colli, ex-presidente da CTNBio, também atual segundo tesoureiro da SBPC. Esse tipo de escalonamento, segundo Colli, afasta os melhores talentos das universidades
públicas federais.

Com a mesma opinião, a professora associada do Instituto de Bioquímica Médica da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Debora Foguel, destaca que, no modelo anterior, a posição de professor titular na universidade pública federal era alcançada por um novo concurso, avaliado por uma banca altamente qualificada.

“Somente os professores com grande mérito acadêmico, com destacada contribuição na pesquisa, alcançavam tal nível diferenciado”, lamenta Debora, proreitora de Pós-Graduação e Pesquisa da mesma universidade e membro titular da ABC.

“Certamente, quem o redigiu parece desconhecer o ambiente universitário, a pesquisa e a inovação que temos procurado trazer para dentro de nossas universidades”, salienta a pesquisadora.

Histórico

O PL havia sido costurado com entidades sindicais em meados do ano passado, em troca do fim da greve dos professores federais. Aparentemente, lutava-se por um aumento salarial que passará a valer a partir de março, início do ano letivo. A nova Lei mostra, porém, que um dos motivos da greve era o de mitigar o rigor na admissão e promoção de professores pela análise do mérito na avaliação da qualidade, analisa Colli.

Impacto nas pesquisas – Para Colli, exigir apenas o título de graduação no início da carreira de magistério reduz a importância da pós-graduação no Brasil e, por tabela, das pesquisas universitárias, que hoje respondem pela maioria das pesquisas científicas nacionais.

Dessa forma, ele vê necessidade de mudanças na Lei, sobretudo no Artigo 8º, propondo que o ingresso na carreira do magistério superior seja realizado por concurso público de vários níveis. Isto é, para a categoria
de professor auxiliar, exigindo diploma de graduação; para a de professor assistente, com a exigência de títulos de mestre; e a professores adjunto e associado, para pessoas com nível de doutor.

“Assim, seria possível atrair pessoas melhores para os concursos, valorizando a nossa pósgraduação”, disse.

Com a nova Lei, Colli acredita que a universidade pública aproxima-se das universidades privadas que não exigem, pelo menos a maioria delas, o título de mestre ou de doutor para lecionar, pagando, assim, salários
relativamente menores.

Retrocesso no número de doutores
Na avaliação de Débora, o novo plano de carreira do magistério federal tende a retardar a chegada do Brasil ao time dos países que apresentam relação de doutores por número de habitantes mais justa.

No Brasil, o número de portadores de títulos de doutorado proporcionalmente ao número de habitantes é um dos mais baixos do mundo. Conforme consta do Plano Nacional de Pós-Graduação (PNPG) de 2011 a 2020, existem no país 1,4 doutores titulados por cada mil habitantes na faixa etária entre 25 e 64 anos, na frente apenas da Argentina, com 0,2 doutores, na mesma comparação. O número brasileiro fica aquém do observado em países desenvolvidos como Suíça, no topo do ranking, com 23 doutores em um universo de mil habitantes; Alemanha, com 15,4; e Estados Unidos, com 8,4 doutores per capita.

Evitando entrar no mérito do novo plano de carreira do magistério, o assessor da Organização das Nações Unidas para a educação, a ciência e a cultura (Unesco) no Brasil, o professor Célio da Cunha, considera baixo o número de doutores no Brasil em relação ao de habitantes.

O ideal, analisa, seria o Brasil aproximar-se dos Estados Unidos, titulando cinco a seis doutores por mil habitantes.

Inconstitucionalidade
Colli define o novo Plano como "concentrador e paternalista” por atribuir ao Ministério da Educação (MEC) a prerrogativa de avaliar os cursos e os critérios de promoção dos docentes, contrariando o Artigo 207 da Constituição Federal, que concede autonomia às universidades do ponto de vista didático e administrativo.

“Diluem-se todos os ganhos que tivemos até agora com a pós-graduação e com a experiência
das universidades no aperfeiçoamento das avaliações de mérito”, lamenta Colli.

2 comentários:

  1. Viviane

    Dá uma olhada em artigo meu na Scientific American Brasil de fevereiro sobre as universidades federais. Precisamos acabar com essa bagunça de uma vez por todas antes que seja tarde demais.

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    1. Ok, professor! Falamos.

      Obrigada pela visitinha.

      Abs, Viviane.

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